terça-feira, 1 de setembro de 2015

Suíte em quatro movimentos, Ali Smith

Suíte em quatro movimentos

Isso, Caroline diz, e é por isso que eu quase fico feliz que tenha acontecido uma recessão, desculpa Jen, porque de repente ela vai sacudir um pouco desse dinheiro estúpido que está tipo nos mercados financeiros pra cair em cima da arte de que ele não para de falar. O tipo de arte de que você fica falando, em que as pessoas se enfiam em caixas de vidro numa galeria e deixam os outros olharem, ou vendem tudo que têm, ou tiram um molde do buraco de uma rosquinha com gesso e chamam de O Buraco De Dentro De Uma Rosquinha, ou enchem o tronco de uma árvore velha de concreto e chamam de sei lá o quê, é tudo vigarice. Arte. Arte nunca mudou nada. E ponto. Ponto final. Me mostre alguma coisa que uma suposta obra de arte já fez, qualquer coisa mesmo, a não ser deixar as pessoas com dor de cabeça.

Lá estava uma garota entediada procurando por livros para download na internet. Ela baixa quase tudo que parece minimamente interessante, mesmo que não vá ler depois. É assim que uma versão em PDF de There but for the, da escocesa Ali Smith, vai parar no seu computador. Um dia, fazendo uma limpa nos arquivos, ela deleta vários livros. Pensa que o tal livro da Ali Smith seria muito experimental para o seu gosto e que por isso ela acabaria não lendo. Ela o apaga do computador.

Mas um dia o tal livro é traduzido para o português, com o título de Suíte em quatro movimentos. A garota vê vários elogios a ele e a sua autora, e bem que ela quer mesmo ler mais ficção contemporânea de mulheres. Ela descobre que o livro era aquele There but for the, acha engraçado e fica feliz que terá a oportunidade de descobrir sobre o que é, porque, entre os oitocentos livros baixados e deletados do seu computador, poucos serão efetivamente lidos. Quando surge a oportunidade, ela aluga o livro na biblioteca.

Pra falar a verdade, eu me sinto uma farsa tentando imitar o estilo da Ali Smith.

O fato é que eu não sabia se gostaria de Suíte em quatro movimentos. Como disse antes, tinha medo de ser muito experimental, muito cabeça para mim. E tem muita coisa que eu não entendi e não sei exatamente o que a autora quis dizer com a história? Lógico que sim. Mas, como diz Clarice Lispector, não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento. Porque a história que a autora conta e os personagens que ela cria valem muito a pena. Cada parte da narrativa foca em um personagem, quatro no total, todos envolvidos de alguma forma com Miles, o homem que se tranca em um quarto em uma casa de pessoas que ele acabou de conhecer. A gente não sabe muito de Miles, mas vai juntando aos poucos as pistas e reunindo a visão dos outros personagens sobre ele. No final, muita coisa continua sem resposta, e se você procura um livro em que tudo se resolva, bom… Pode passar longe desse.

As quatro partes do livro têm estilos diferentes, mas sempre recheadas de brincadeiras e reflexões sobre a linguagem. Eu disse que deletei o livro do computador, mas baixei de novo só para poder comparar os trocadilhos e piadas. Como quase toda tradução, alguma coisa se perde e outras se ganham. Não entendi algumas piadas em português, mas achei outras melhores que as originais, por exemplo.

Acho que minha parte favorita foi a cena do jantar, da qual eu selecionei o trecho lá em cima para mostrar. O contraste entre o ponto de vista dos quatro personagens selecionados, pelos quais nutrimos alguma simpatia, e os outros participantes do jantar, todos fúteis e caricatos, é notável, e a cena toda é muito engraçada. A história do que aconteceu com o Miles, de como ele ficou famoso por não sair do quarto e as pessoas passaram a se reunir aguardando o glorioso momento de sua saída, é também de um absurdo que me tirou muitos sorrisos durante a leitura.

Para mim, algumas partes de Suíte em quatro movimentos se alongaram mais do que deviam, e o foco em Greenwich certamente não é tão bem aproveitado para pessoas como eu, que nunca foram a Londres. Mas isso não é culpa da autora, de quem eu com certeza quero ler mais livros. Ah, e se você ainda ficou em dúvida se quer ler ou não entendeu bem sobre o que é a história (porque não expliquei direito), fique com a ótima resenha da Anica.

Avaliação final: 4/5

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