quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A Dama do Cachorrinho e outros contos, Tchekhov

A Dama do Cachorrinho O sapateiro e o órfão caminham pelo campo, falam sem parar e não se cansam. Poderiam caminhar sem fim pelo mundo. Caminham sozinhos e, em meio a suas conversas sobre a beleza da terra, não percebem que os segue, apressada, a mendiga pequena e débil. Ela coloca pesadamente os pés e ofega. Há lágrimas pendentes em seus olhos. Ficaria contente de deixar aqueles incansáveis andarilhos, mas, para onde e à casa de quem poderia ir? Não tem casa, nem parentes. Queira ou não, resta-lhe andar e ouvir aquelas conversas.

(A Dama do Cachorrinho e outros contos, p. 73)

Minha última leitura para o Desafio Literário de novembro foi A dama do cachorrinho e outros contos, do Tchekhov. A escolha se deu por motivos óbvios: penso em contos e o primeiro autor que vem na minha cabeça é o Tchekhov. Como eu já estava interessada em literatura russa e meu pai tinha esse livro, pronto: escolha decidida.

O livro traz vários (trinta e seis!) contos do autor. A maioria é curta, entre cinco e dez páginas, mas há também alguns maiores. Eles têm alguns assuntos em comum, como mulheres, crianças, pobres, médicos… Tudo isso sempre com um tom de crítica à sociedade.

Bom, o livro é bem comprido pela quantidade de contos e eu li uns dez contos primeiro, depois li outro livro e em seguida terminei, em mais ou menos uma semana. E livros de contos, em geral, não devem ser lidos rapidamente. Ou seja (como sempre anda acontecendo comigo…), a leitura saiu prejudicada. Os contos pareceram repetitivos (e muitos o são mesmo) e de três que eu lia, só um me tocava de algum modo. Assim, já esqueci de grande parte dos contos…

Gostei em especial dos contos com visões sobre crianças, como “O acontecimento”, e de “Homem num estojo”, que traz um personagem no mínimo interessante… Os contos do Tchekhov têm a fama de não te ganhar por nocaute, como diria Cortázar, mas isso não é ruim. Os contos não têm um final brilhante e surpreendente porque a vida não é assim, e são pessoas comuns as retratadas nos contos.

Enfim, é um livro que traz contos para serem lidos e relidos, mas não recomendo que a leitura do livro inteira seja feita de uma só vez.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Contos, Katherine Mansfield

Contos

Oh, como tudo aquilo era fascinante! Como ela se divertia! Como gostava de sentar aqui, observando tudo! Era como uma peça de teatro. Exatamente como uma peça de teatro. (…) Todos eles estavam num palco. Eles não eram apenas a platéia, não se limitavam a assistir; eles estavam atuando. Até mesmo ela tinha um papel e comparecia todo domingo. Não havia a menor dúvida de que alguém teria notado se ela se ausentasse; afinal de contas, fazia parte da encenação. Que estranho não ter pensado antes que as coisas eram assim! E no entanto ali estava a explicação para o fato de ela fazer questão de sair de casa exatamente na mesma hora, toda semana — para não se atrasar para o espetáculo.

(Contos, p. 90)

Minha nova leitura para o Desafio Literário foi esse livro de contos da Katherine Mansfield. Foi mais uma das leituras que não estavam planejadas — minha irmã pegou o livro na biblioteca e me aproveitei. Nunca tinha lido nada da autora nem ouvido falar muito dela, ou seja, não tinha muitas expectativas.

Os contos trazem uma visão mais psicológica dos personagens, que em geral são mulheres.

Há três contos (“Prelúdio”, “Na Baía” e “A casa de bonecas”) que são sobre a mesma família. Desses, o meu favorito (e possivelmente meu favorito do livro todo) é “A casa de bonecas”, que foca nas crianças.

Enfim, não sei muito o que falar do livro. Alguns contos me cansaram um pouco, mas isso pode ser também do momento em que eu os li. Não é o tipo de livro que dá vontade de ler um conto após o outro (e talvez isso seja bom — o problema é quando eu me obrigo a lê-los em seguida) e confesso que não entendi muito bem algum deles, mas, se você gosta de contos, recomendo que dê uma chance à autora.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Dentes Guardados, Daniel Galera

Dentes Guardados

Por que não fazer da morte a obra-prima da vida, o desfecho glorioso de um livro complicado e difícil de entender, mas que contudo nos leva ao riso e ao choro, à dor e ao gozo, à paz e ao desespero?

(Dentes guardados, p. 23)

Minha terceira leitura para o Desafio Literário de novembro foi Dentes guardados, do Daniel Galera. Escolhi o livro porque já o tinha baixado há algum tempo (e você pode lê-lo aqui: http://www.ranchocarne.org/pdf/dentes.pdf).

O livro segue o estilo de Ovelhas que voam se perdem no céu, do Daniel Pellizzari (que eu resenhei aqui). O livro é curto, os contos em geral são pequenos e “pesados” (ou seja, não recomendo a quem não gosta de palavrões e de sexo tratado de forma crua).

Os contos trazem reflexões sobre a vida e sobre o cotidiano. Alguns contos são um tanto irreais (“Os mortos de Marquês de Sade”, “Manual para atropelar cachorros”, “A escrava branca”), naquele tom de “isso pode acontecer mas é muitíssimo improvável”, do qual eu costumo gostar, e nesse caso não foi diferente. A maioria dos contos fala sobre o amor sob um ponto de vista que não é o meu e que acho até um pouco banal, mas isso também não os estraga.

Enfim, é um livro interessante, e eu, que já pretendia ler um romance do autor, fiquei agora mais curiosa.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Beijo, Roald Dahl

Beijo

Para a surpresa do sr. Boggis, o plano funcionou. Na verdade, a cordialidade com que o recebiam em uma casa depois da outra em todo o interior foi, a princípio, bastante constrangedora, até mesmo para ele. Uma fatia de torta, uma taça de porto, uma xícara de chá, um cesto de ameixas, até mesmo um lauto almoço de domingo com a família, tais eram as coisas que continuamente era forçado a aceitar. Vez por outra, claro, havia momentos difíceis e situações desagradáveis, mas é preciso considerar que nove anos são mais de quatrocentos domingos, o que dá um número enorme de casas visitadas. No fim das contas, era um negócio interessante, estimulante e lucrativo.

(Beijo,, p. 83)

Minha segunda leitura do desafio de novembro foi Beijo,, do Roald Dahl. O autor é mais conhecido pelos seus livros infantis, como A Fantástica Fábrica de Chocolate, mas ele também escreveu diversos contos para adultos.

Os seus contos são marcados pelo humor negro, pelo macabro e pelo fantástico, no geral, mas não deixam de ser reais em certo ponto.

Eu já tinha começado a ler esse livro há uns meses e desistido no segundo ou terceiro conto, porque o primeiro conto era muito humor negro para o meu gosto. Decidi dar mais uma chance ao livro esse mês e não me arrependi.

Não considero o livro brilhante, mas foi uma leitura divertida. Gosto da forma que os contos são narrados, normalmente mostrando as linhas de pensamento dos personagens, que são peculiares e reais ao mesmo tempo, de certo modo.

Enfim, para mim o livro é entretenimento com qualidade.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Faca, Ronaldo Correia de Brito

Faca

Irene moía o milho. Repetia um ofício milenar, aprendido de outra mulher como ela, que também aprendera de outra, substituindo o grão a ser triturado, celebrando o trabalho nos mesmos movimentos de mãos, braços e tronco. Gestos arcaicos, que a tornavam iguais a milhões, semente de um saber que se tornava ciência pela repetição. As pedras atritadas salmodiavam uma cantilena monótona, lembrando a dos bilros nas almofadas e a do fuso fiando o algodão cru. A tarde sucedia a manhã e de noite não havia sol. Assim sempre tinha sido e assim sempre seria. O mundo se alimentava dessa ordem simples e a vida de Irene entrava nessa ordem. Havia a casa para cuidar, redes para tecer e o marido que chegava sem ser esperado. Talvez trazido por aquele tropel que ela começava a ouvir.

(Faca, p. 155)

Minha primeira leitura do desafio desse mês, cujo tema é contos, foi Faca, do Ronaldo Correia de Brito.

Foi uma escolha fácil: minha irmã tinha esse livro e eu já me interessava por ele, por ter um tom regionalista que costuma me agradar.

Desta vez não foi diferente. Adorei como o autor retratou o mundo rural do Nordeste brasileiro, uma sociedade de costumes tradicionais, patriarcal, que dá muita importância à família e à honra.

No conto Mentira de amor, por exemplo, vemos uma mulher e suas filhas vivendo trancadas em casa. Apenas o marido tem a chave de casa e pode sair, as garotas simplesmente aceitam a condição e vivem do jeito que podem, já que a mãe ainda sofre com a morte de uma de suas filhas.

A linguagem dos contos também me agradou. Por ser um livro de contos, acredito que as palavras em geral têm que expressar mais do que em romances. Tanto que atualmente eu tenho gostado mais de contos por isso, tenho mais facilidade em entender o que o autor quer passar. Considero o livro é bem escrito, transmitindo as histórias de modo coerente.

A edição, da Cosac Naify, é bem feita. No início de cada conto há ilustrações da Tita do Rêgo Silva que lembram as xilogravuras dos cordéis.

Enfim, eu recomendo o livro para quem gosta de livros regionalistas. Se você não gosta muito de contos ou não conhece muitos, por que não tentar esse livro?