terça-feira, 27 de novembro de 2012

AvóDezanove e o segredo do soviético, Ondjaki

AvóDezanove

Os mais-velhos fazem isso, é normal. Eu não gosto muito de ficar quieto, mas às vezes também me acontece. Ali, até foi bom, parecia um filme que não podia continuar a ser passado, os coveiros ficaram lá longe mas pararam de cavar e fizeram silêncio, as árvores abanaram mais devagarinho e um barulho no céu era feito por pássaros que vieram aterrar nessas árvores quietas, árvores muito antigas, porque também os cemitérios, todo mundo sabe, são lugares muito antigos, é que “já morreu muita gente neste mundo”, como diz a AvóCatarina, o céu estava todo azulindo e quase sem nuvens, mesmo essas poucas também paradinhas, só o cabelo da AvóNhé mexia um bocadinho a fingir que ia voar.

(AvóDezanove e o segredo do soviético, p. 80)

Minha leitura de novembro para o Desafio Literário foi AvóDezanove e o segredo do soviético, do Ondjaki. Minha irmã tinha comprado esse livro e outros de autores africanos de língua portuguesa faz um tempo e decidi começar a lê-los pelo que parecia mais fácil.

O livro conta a história dos morados da PraiaDoBispo, em Luanda. Os soviéticos trabalham na construção de um mausoléu que irá abrigar o corpo do ex-presidente AgostinhoNeto e irá mudar a vida dos moradores da praia. Nesse cenário, um garoto, o narrador, vive suas aventuras junto com seu fiel amigo 3,14 (o Pinduca, Pi) e na presença do maluco EspumaDoMar, do VendedorDeGasolina…

É um enredo simples, é a narração da vida de uma criança, mas ao mesmo tempo o contexto por trás é complexo. Apesar de o livro ser indicado como infanto-juvenil, eu não o indicaria para crianças… Eu ficaria bem perdida na parte histórica.

Não sei se é pelo fato de eu ter lido o livro no fim da minha vida escolar, mas o livro me envolveu e deu uma saudades da infância… Identifiquei o medo dos meninos de perderem a sua PraiaDoBispo com o meu medo de sair da escola, a minha PraiaDoBispo, lugar onde eu praticamente passei toda a minha vida e que me passa segurança.

No final do livro, há uma carta do Ondjaki para a escritora Ana Paula Tavares em que ele diz: “me invade aquela ternura branda – quase triste – que não sei explicar nem aceitar. o fim dos livros tem esta coisa de fazer abandonar o lugar que vivenciei para o escrever”. Essa ternura também foi sentida por mim ao terminar de ler o livro. Me senti triste abandonando a PraiaDoBispo e seus carismáticos moradores. Já via o cenário como meu, parecia que eu era íntima dos moradores…

Como eu disse, a leitura foi envolvente. Envolvente e rápida. O livro é curto e a narração é fluida, gostosa de ler. O português angolano não oferece grandes dificuldades e torna a própria narração mais interessante. Há um glossário no final, mas a graça é entender o vocabulário pelo contexto mesmo.

Enfim, acho que deu para entender que eu adorei o livro. Pretendo ler mais livros do Ondjaki assim que for possível. Só não recomendo o livro para quem não gosta muito de narradores infantis (e digo uma coisa – você não sabe o que está perdendo em desprezá-los!).